segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Miguel e Olívia


-Numa praia um pouco distante... - comecei a falar. As crianças ficaram me olhando. À hora da história depois do lanche sempre deixa as crianças cheia de expectativa. Claro, depois de se alimentarem e brincarem de pega no pátio a única coisa que querem é dormir depois de uma historinha - duas crianças corriam uma garota de dez anos e um garotinho de onze. O mar estava calmo, o céu, sem nuvens, de um azul turquesa mesclado de um azul caribe e azul Oceânico. Os pássaros voavam calmamente numa linha quase perfeita como o horizonte... - nesse instante, várias delas estavam deitadas, muitos já dormiam e outros estavam entrando num estado de puro descanso, beirando ao estado de pleno sono.
Depois que elas dormem, eu tenho o meu horário de intervalo, pois essa é a hora que a psicóloga Luana entra e fica com eles. 
Fui a caminho do banheiro das professoras. Antes de chegar lá encontro Miguel, o professor de Recreação das crianças.  
 -Oi- Eu disse, sem nenhuma emoção, só o de sempre. -Oi!- Ele disse com aquele seu encantador sorriso. Eu já estava passando por ele quando senti uma mão fechar no meu pulso, foi o que me fez olhar para a direção de quem estava me tocando. - Oi Miguel!... - Falei no meu tom normal de voz - Tudo bem? - E esperei ele responder. - Oi, Olívia! - Ele disse me encarando de um jeito que eu não gostava, de um jeito que sabia que havia ganhado alguma coisa - Tudo. Posso dizer que estava muito bom até você aparecer - o que ele quis dizer com aquilo? Que eu havia estragado o dia dele? - Como assim? Perturbei a sua tão gloriosa tarde? Sua paz de espírito? - Eu não sei como ele conseguia, só com uma simples frase, mexer com a normalidade do meu sistema nervoso - Olívia, minha cara Olívia, sempre com esse seu ar de quem, definitivamente, não quer me ver - Eu acho que ultimamente eu estava com aquilo escrito na minha testa. Ele não tinha conseguido o que queria naquele dia pós a apresentação das crianças, na noite de Alegria? Ele poderia buscar outra conquista. Eu estava farta com aqueles joguinhos de garotos de oitavo ano. Eu estava cansada dele. Eu queria sair até da escola se a necessidade fosse tão urgente. - Eu poderia pensar em algo melhor a fazer do que ficar esperando que outra professora passar por aqui. Até onde eu saiba, a sua irmã está de passagem pela escola. Acho que ela não deveria ficar esperando por você. – como eu sabia que aconteceria ele perdeu aquele sorriso de ganhador. A boca dele se transformou numa linha, quase não dava para distinguir qual era o lábio inferior do superior. Ele ainda temia pela irmã. Ele via Clarice como uma eterna filha insegura, que precisasse o tempo inteiro de atenção e proteção. –Ela está com a mãe dela, agora. Não sei se é da sua conta, mas a Clara está internada, sofreu um acidente hoje de manhã... Acho que isso não interessa mesmo a você. Acho que eu deveria ir embora. Tenha uma boa... Ou melhor, não tenha! – Ele se virou para sair. Onde eu estava com a cabeça? Ele não parecia nem um pouco abatido pelo o que havia acontecido com a irmã. Eu não tinha como adivinhar...  – Miguel – eu meio que gritei, ele já estava na metade do corredor, ele parou, virou o torso na minha direção – espere – eu falei. Ele ergueu a sobrancelha direita – o que você quer agora? – só me der um minuto, sim? Eu realmente preciso ir ao banheiro. Eu preciso falar com você. – Ele se virou completamente – não sei se isso é uma boa ideia. Provavelmente você vai passar umas boas duas horas ai. – Eu sabia que ele estava certo – você pode me esperar? – Tentei... Ao menos isso... Será que ele me esperaria? Olhamos um para o outro, nem uma mosca conseguiria quebrar tal ligação. Quando percebi que ele não sairia de lá, eu fui ao banheiro. Já havia esquecido o que eu iria fazer lá. Perdi a vontade. Lavei o meu rosto e olhei o meu reflexo no espelho. O dia estava quente lá fora e eu estava começando a ficar com frio. Uma tremedeira passou entre os meus pulmões. Golpe baixo esse do destino pra mim. Ele tinha que fazer a irmã dele se machucar para eu poder falar com ele outra vez? Eu estava disposta a ignorar ele pelo resto do bimestre. Ele era só um estagiário de Educação física e eu sou uma professora formada, tenho até uma pós. Ele se quer teria vinte e três anos. Ele aparentava ter vinte. Eu tenho vinte e quatro. Eu sei que essa coisa de idade não existe mais, mais não posso ir contra os meus preceitos... Ele parecia um Deus grego, sendo com aparência diferente. Ele possuía cabelos pretos, curtos. Olhos pretos. Não posso fazer isso. Não consigo. Olhei de novo pra janela que fica no canto superior do banheiro. O dia estava lindo demais para ser perdido com essas bobagens... – o que você está fazendo? – ele disse. Não que meu corpo não estivesse tremendo o suficiente sem a chegada repentina dele no banheiro, mas juro que eu devo ter saltado uns vinte centímetros do chão – eu que pergunto o que você está fazendo aqui? – ele deu um sorriso  meio sem graça, mas que o deixava com uma aparência mais jovial, e eu sempre me derretia quando ele fazia esse espetáculo só pra mim. – você me pediu para esperá-la – eu havia mesmo dito aquilo – sim, eu disse – Ele deu um passo a frente – e isso já faz meia hora – eu não acreditava nisso, tudo isso? – como você pode dizer isso com essa precisão? – aha! Eu sabia que eu havia pegado ele – eu estou com um cronômetro em mãos quando eu preciso – ele falou isso dando mais passos, diminuindo o espaço entre agente, me mostrando o pequeno aparelho. Nossa mãe! Já haviam se passado trinta e cinco minutos. Será que isso era verdade ou ele já estava ativado antes mesmo de eu chegar ao banheiro? – enfim, você queria falar comigo. Ainda quer? – ele disse, dando mais quatro passos e ficando um pouco de um metro entre nós.  – Eu queria dizer que... – ele me interrompeu levantando uma mão – você queria, não quer mais? – Será que ele iria me deixar terminar? – Eu quero! – falei o mais devagar possível, como que tentando tranquilizar a minha mente e a minha pulsação. – Eu queria... Realmente eu queria... Eu quero pedir desculpas por aquele dia. Sinto muito mesmo em dizer que eu o... Eu o... – ele olhou pra mim, dando um meio passo a frente – você? – eu... Agora, o que eu iria falar? Que lamentava ter empurrado ele daquele jeito depois daquele beijo sufocador? Daquela quentura, daquela sensação de querer ele mais para perto de si? – eu queria pedir para não fazer mais aquilo que fizeste por mim... ou melhor, em mim. – ele me olhou incredulamente e deu um passo pra trás – o que você quer dizer exatamente com isso? – ele olhava friamente para mim. Será que ele podia ser mais difícil? Sim, ele poderia; eu não teria dúvida em relação a isso – sei perfeitamente que você entendeu – ele deu mais uns passos para trás, se distanciando ainda mais de mim – não sei, em definitivo, o que você está querendo com isso. – deu alguns passos a mais. Agora ele só teria que dar um passo ou levantar o braço esquerdo para atravessar ou tocar na porta – você... – antes mesmo de eu cogitar a intenção dele ele já havia feito. Ele fechou a porta, sem desviar os olhos dos meus – o que você pensa que está fazendo? – eu botei isso pra fora sem me preocupar como isso seria interpretado por ele – eu não penso que vou fazer algo – será que ele havia desistido? Será que eu queria que isso fosse verdade? Ou eu não queria essa desistência? – eu... – eu tentei recomeçar, mas antes de eu saber ao certo o que eu iria dizer, ele tinha encurtado o espaço entre nós dois  a um ponto que só uma palma nos separava – você esta logrando novamente? Por qual motivo fechaste a porta alguém, sabe, pode bater ai, quem sabe a própria Antonieta – ele baixou um pouco a guarda e riu baixinho – se ela aparecesse aqui, juro, que hoje seria um dia glorioso. Afinal de contas, não é todo mês que ela decide fazer uma visita na escola – é, fazer o que, eu não havia tido uma ideia quanto ao meu argumento – a professora Luíza pode aparecer também... – ele sorriu mais uma vez. Ele sabia que havia ganhado essa e eu não fazia ideia de como sair dela... Será que eu queria sair? Claro que eu queria. Esses pensamento só serviam só para complicar as coisas... – há mais alguma coisa a ser dita? – ele simplesmente embaralhava a minha mente, não sei onde estava a razão, talvez ela tenha ido junto com a água na torneira ainda agora. – você deveria só receber um antidoro – o sorriso dele foi um aumentou consideravelmente – acho que isso se encaixa nos pensamentos, ainda não posso seguir todas as regras mesmo, não seria justo que uma pessoa como eu comungasse – nossa mãe! Agora tava pesado... Eu não tinha como sair dessa – escute minha cara Olívia, você poderia ficar quieta por um mísero minuto? – não entendi essa – é que há uma ligação sendo feita e... não, esquece. O que eu quero mesmo é estar aqui e ver o que você poderia fazer se estivesse... – falando isso, ele começou a andar em frente, e eu andar pra trás. Em alguns instantes eu senti uma parede fria atrás de mim e não dava para atravessá-la mais. 
Os olhos dele estavam próximos de mais de mim, seus lábios, apesar dele ser mais alto que eu, eu conseguia sentir sua respiração pelos meus próprios. Não sabia como definir isso na hora mais o frio que eu sentia descentralizou dos meus pulmões e correu pelo meu sistema nervoso, percorrendo do cérebro á as minhas mãos. Não sei ao certo quanto tempo durou, só sei que foi mais intenso do que da última vez. Nunca tinha sentido algo tão... Tão... Tão... Senti uma lágrima descer do olho esquerdo e deixei antes que chegasse à maçã do meu rosto. Ela havia continuado no rosto dele. Ao sentir minha lágrima, ele deixou o beijo de lado e se afastou só o suficiente para ver meu rosto, mas continuava entrelaçado ao meu corpo – eu estou te machucando? – ele disse na mais pura e doce voz, como se ele tivesse querendo consertar algo que ele poderia ter feito para me machucar. – nada – eu disse ainda desejando ele perto de mim outra vez – você não estaria chorando se eu não tivesse feito nada de errado – será que ele não percebeu que o que eu senti estava longe de uma dor não bem vista? Será que ele não pensou que a separação abrupta me deixasse com uma sensação de ausência que causaria um grande desconforto? – Eu não dis... –  eu senti algo vibrar e percebi que não era eu dessa vez. Era algo na calça dele que pulsava forte, na altura do quadril. Ele olhou pra baixo, meio desconsertado, se afastou um pouco, e pegou no volume que até então eu havia ignorado. Era grande, escuro, e pelo o que eu vi tinha boas funções. Ele pegou seu aparelho e atendeu a chamada... Afinal essa era a função básica de um celular, não era? – alô – nisso ele fez um sinal com as mãos, pedindo um minuto. Aproveitei esse momento e voltei para o espelho.  Algo estava diferente na imagem refletida. Algo rosado esta lá, nas bochechas e nos lábios. Algo quente passava nos cantos em que ele havia tocado.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Depois de alguns segundos em silêncio, percebi que estava novamente só no banheiro... Quanto tempo já havia passado? Levantei o meu olhar e percebi que a porta estava aberta , do mesmo jeito que eu havia deixado antes quando eu entrei. Não me preocupei em olhar de novo no espelho, pois a tremedeira já havia ido embora, e eu sabia que o meu rosto estava em sua cor natural, sem nada de manchas rosadas nas maçãs. Ao chegar ao corredor percebi que estava solitário assim como o banheiro se encontrava agora. E tudo o que eu queria era saber apenas uma resposta... Então por qual motivo não fazê-la? Mas eu havia pedido que ele me esperasse, e ele foi embora... Algo gélido tocou o amago do meu ser, como se alguém tivesse me lembrado que eu não deveria esquecer que ele, Miguel, estava com a irmã enferma no hospital agora. E eu nem sabia ao certo qual era o estado de gravidade dela... A tarde se passou tão lentamente e mesmo assim eu não consegui vê-lo mais. Em casa, pós banho e janta, Eu cai em minha cama e tive o mais doce e suave sonho... Que agora não me lembro o que foi exatamente, mas foi o suficiente para acordar com o mais tranquilo e aconchegante sorriso em meus lábios...